sábado, março 30, 2002

Mario,

Vou enviar o cheque. Quero dizer, eu honestamente acredito que vou enviar o cheque.

É que dessa forma, tenho uma chance. Se eu depositar os 500, a coruja está pelada, não tem mais jeito. Mas se eu enviar o cheque, há uma possibilidade do imprevisível. O dado pode pesar, o cheque pode adquirir pessoalidade, você vai precisar levá-lo ao caixa eletrônico e depositá-lo. Pode ser que algo aconteça e você desista.

Esse é o conjunto de idéias articulado pelo meu hemisfério cerebral esquerdo, dominante e que deseja impor as regras do jogo. Não obstante, consultei o menor.

O menor, do lado direito, não-dominante, diz que você apontou o caminho para San Thiago ao dizer que, se meu dado for incondicional, ele "cria um sentimento de dívida e responsabilidade, que será proporcional à avaliação do que recebe, não do que dá."

Então, o que é que eu ganho? Em um primeiro momento, isso. Saber que você precisará pesar a proporção e arcar com uma responsabilidade. Ao dar, não gerei repouso; gerei, de certa forma, angústia. O que você vai fazer com o dado, ou em suas palavras, quais são as próximas peças do dominó?

Minha dificuldade, agora, são os 500. Como vou mandar 500 paus para você e dizer "puxa, como sou altruísta"? É que, no caminho, vou precisar respirar, letra por letra, o que disse Henri Raymond:

"Quanto mais igual a troca, mais nos entediamos. A dádiva garante a sobrevivência do tempo, desequilibrando a oferta e a contrapartida."

Para dar, incondicionalmente, eu preciso acreditar que vou receber, incondicionalmente.

Suponha que eu dê 500 reais ao meu colega de empresa. Ele é gerente de equipe, como eu. No dia seguinte, por infortúnio, sou chamado pelo RH e mandado embora. Coincidência? Minha amígdala cerebral não vai perdoar. "Viste, tolo, deste os 500 e ainda levaste o bilhete azul. Quem manda ser o moderninho dadivoso?

Dois meses depois, sou chamado pela Amazon, para onde enviei currículo, e sou convidado para ser diretor de distribuição (hei, distribuição é o ponto mais vulnerável da Amazon) e ganhar 4 vezes mais.

Mera coincidência? Coincidência o cátsu, esse é o princípio da dádiva operando no mercado!

Então, Mario, estou a um passo de cumprir minha oferta. Estou me livrando de procurar adivinhar as próximas peças de dominó. Eu simplesmente não preciso saber quais elas são. Esse problema é seu. Meu problema é dar, e acreditar que o círculo se completa em mim. Ter fé, em suma.

Isso é marketing de relacionamentos. Tem gente que acha que é distribuir cartão de visitas. Esperando telefonema no outro dia: "quer ganhar um dinheiro?".

Não, MR é mais do que isso. Nele, dar é o topo da pirâmide. Mas é como você diz, eu preciso aprender um pouco de marketing antes. Meu negócio são os hemisférios. Enquanto eu me livro do esquerdo e fico olhando para o cheque ainda em branco, o que você tem para me ensinar sobre MR hoje, Mario?

quarta-feira, março 27, 2002

Mario,

Se eu trabalhar duro hoje, da manhã ao pôr-do-sol, e se todos os meus recursos estiverem em ordem, inclusive meu marketing de relacionamentos, eu termino o dia com 1000 reais na conta.

Eu gostaria de dividir essa soma com você.

É, com você, que a essas alturas do campeonato não fez absolutamente nada, não contribuiu para minimizar minhas despesas, não investiu na divulgação como eu fiz esses anos todos, não participou da montagem de uma rede de pessoas que me encaminha trabalho, nada, não fez absolutamente nada, coisa nenhuma.

Você aceita receber 500 reais?

De acordo com os resultados de um estudo conduzido pelo antropólogo da Business School da Universidade de Michigan, Joseph Henrich, você está numa saia justa.

Ele simulou um jogo econômico, em que doadores podem doar parte do dinheiro ganho em um dia de trabalho para alguém aleatoriamente escolhido. Pode ser qualquer quantia, mas se o receptor recusar, ninguém ganha nada. As leis "formais" da economia rezam que a maximização de recursos se dá sempre que o receptor aceitar qualquer oferta e o doador doar o menos possível.

Mas não é bem isso que acontece. Certas doações são rejeitadas -- mesmo às expensas de perda pessoal --, dependendo do valor doado. Isso mesmo, a relação oferta/aceite depende do valor ofertado. Um cálculo é realizada nas entranhas do cérebro e um veredicto é lançado pelos neurônios.

Então, qual é o seu? Você aceita os 500 mangos? E, claro, por que?